
"Ciência, ciência. Não vamos perder o
foco. Ciência, disciplina, planejamento, foco", disse, enfaticamente,
Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde, em entrevista coletiva na
noite de segunda (6). Mandetta colocou no papel suas palavras e assinou,
com sete cientistas, um relatório técnico no qual consolida sua posição
em defesa do isolamento social contra a Covid-19, medida que o
presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contesta, sem apresentar
fundamentos científicos.
"O isolamento social é a medida que
precisa ser sugerida logo de início para que seja possível achatar a
curva epidemiológica com o menor impacto econômico possível", diz o
artigo, publicado nesta terça (7), na Revista da Sociedade Brasileira de
Medicina Tropical.
Caso o plano funcione e o isolamento
seja efetivo, com as pessoas com acesso somente a serviços essenciais, o
impacto econômico pode ser mitigado, dizem os autores.
Segundo o relatório, o Brasil tem
seguido as recomendações da OMS e deve dar atenção a adaptações que
sejam necessárias para a realidade do país. Um exemplo seria a estrutura
populacional composta principalmente por jovens adultos, sem se
esquecer, porém, da prevalência de doenças como obesidade, tuberculose,
diabetes e hipertensão.
"Portante, é potencialmente importante
que a população jovem com doenças e coinfecções não seja negligenciada",
afirmam os autores, que são pesquisadores da Universidade Federal do
Mato Grosso do Sul, da Fundação Oswaldo Cruz, Universidade do Estado do
Amazonas, Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado e
profissionais do Ministério da Saúde.
O texto também não descarta, inclusive, a
decretação de "lockdown" em determinadas áreas do país, medida que
permitira o uso de forças de segurança para evitar a circulação de
pessoas.
Ao determinar a importância de políticas
de distanciamento, inclusive, se necessário, com medidas mais severas, o
documento assinado pelo ministro se distancia da visão que Bolsonaro
tem sobre o assunto.
O presidente defende o que chama de
"isolamento vertical", distanciamento que seria direcionado somente aos
grupos de risco da Covid-19 (idosos e pessoas com doenças crônicas). A
medida, contudo, não encontra respaldo nos desafios que a pandemia
apresenta e ideia semelhante foi abandonada no Reino Unido, que, algumas
semanas após tal aposta, tem mais de 50 mil casos e um número de mortes
que ultrapassa 5.000.
Bolsonaro também tem desobedecido as
orientações de distanciamento social. No último domingo (5), ele se
reuniu com grupos religiosos que estavam em frente ao Palácio da
Alvorada para o dia do jejum nacional convocado por ele mesmo. O
presidente abraçou, apertou as mãos e posou para fotos ao lado dos
simpatizantes.
Mas, com tais atitudes, Bolsonaro contraria a própria regra que quer aplicar. O presidente tem 65 anos, ou seja, faz parte do grupo de risco que deveria ter ainda mais cuidado com o contato com outras pessoas.
Mas, com tais atitudes, Bolsonaro contraria a própria regra que quer aplicar. O presidente tem 65 anos, ou seja, faz parte do grupo de risco que deveria ter ainda mais cuidado com o contato com outras pessoas.
Um dos problemas na ideia de que se deve
isolar somente grupo de risco está no fato de que, mesmo que a doença
mate poucos jovens, eles mesmo assim são afetados e, potencialmente,
necessitam de ajuda de aparelhos para respirar. Dependendo da quantidade
de pessoas, independente da idade, que precise ao mesmo tempo da ajuda
de respiradores, o sistema de saúde pode entrar em colapso, o que, por
sua vez, eleva o número de mortes evitáveis.
Assim, distanciamentos mais abrangentes
buscam diminuir a quantidade de pessoas que precisam, ao mesmo tempo, do
sistema de saúde.
Mesmo defendendo o distanciamento
social, o ministério já elabora um plano de transição para uma fase mais
branda de isolamento destinado a estados e municípios cuja quantidade
de casos confirmados do coronavírus não tenha causado impacto severo no
sistema de saúde. A mudança está programada para começar no dia 13 de
abril.
No meio do documento, há uma crítica a
um erro de avaliação da OMS (Organização Mundial da Saúde) no risco
representado pelo novo coronavírus. "É importante notar que em 27 de
janeiro a OMS admitiu um erro significativo relacionado à classificação
de risco da Covid-19."
Nesse dia, a organização passou a
considerar que o novo coronavírus representava risco global "alto".
Contudo, nos dias anteriores, o risco era considerando como "moderado".
"Isso pode ter impedido intervenções
internacionais específicas em tempo hábil e pode ter resultado em um
aumento do número de casos na China e na expansão da doença para outros
países, como o Brasil", afirmam os autores.
O artigo, em suma, faz um balanço do que
foi feito até o momento pelo governo, reafirma posições já declaradas
pelo ministro e aponta o que se espera para os próximos meses de
epidemia.
"Apesar de o Brasil estar tentando
implementar medidas para reduzir o número de casos, principalmente com o
uso de isolamento social, é esperado o aumento nos casos nos próximos
meses", diz o documento, citando modelos matemáticos segundo os quais o
vírus pode continuar a circular pelo país até o meio de setembro, com
picos de casos em abril e maio.
O texto também ressalta que o outono
está chegando e que nessa estação e no inverno a incidência de doenças
respiratórias aumenta, lista a qual se deve adicionar a Covid-19, que
pode ter o risco de transmissão elevado graças ao ar seco e às baixas
temperaturas.
O H1N1 e a zika também são lembradas no documento como um "legado de como lidar com epidemias".
Por fim, o texto ainda fala sobre a rede
descentralizada de Lacens (Laboratórios Centrais de Saúde Pública)
responsáveis por resultados de testes para coronavírus e sobre os
laboratórios que produzem tais exames.
As preocupações com a falta de testes,
de leitos de UTI e de respiradores, e com uso de máscaras pela população
também são declaradas. Os autores afirmam que a capacidade de testagem
pode aumentar em breve devido a contribuição de iniciativas privadas e
da academia.
Edição Tropical Noticias
Fontr: Folhapress
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